2012-08-06

M38 - Maldita Ração de Combate

Alguém conseguiu esquecer a ração de combate, aquela maldita e enjoativa caixa de cartão reciclado, que continha uma lata com sumo de ananás, outra com leite achocolatado, uma de sardinhas em óleo ou tomatada, outra de atum e duas mais pequenas de feijão com cabeça de porco ou linguiça, além de outra com ananás em calda, um pacote de bolachas, um comprimido de halazon para purificar a água e um de café que por sinal de entre tudo, era a única coisa de que eu verdadeiramente gostava ? Claro que não…


Lembro-me das primeiras operações em que participei. Carregava tudo aquilo no saco que me estava distribuído, uma embalagem por cada dia… Sendo enfermeiro era privilegiado, porque tinha direito a um pobre carregador, que com tudo alombava.
A sequência dos dias em que se comia aquela ração de combate era de tal forma vertiginosa,  que penso que mesmo os mais valentes a terão rejeitado. Três dias de operações a pé a comer ração de combate. Chegados à base, seguiam-se alguns dias de “descanso” em que tínhamos de participar em patrulhas, etc., mas aqui sim, descongestionávamos comendo ração de combate, mas por pouco tempo, pois logo partíamos para nova operação de mais 5 dias, desta vez com uma grande diferença, é que a comida era de novo a velha ração de combate…


Conclusão! Enjoei de tal forma aquela alimentação, que as minhas provisões alimentares passaram a ser o leite achocolatado, o sumo de ananás  e as bolachas. De quando em vez uma latita de feijão com linguiça ou cabeça de porco, pois como era enfermeiro gozava da faculdade de levar álcool e algodão em rama, com o que sem fazer fumo para não denunciar a posição do grupo, aquecia aquele repasto que deglutia sem quase o enxergar, quanto mais saborear…


Depois que a Companhia rodou para o Luquembo, tudo começou a ser diferente. Ali fazíamos sobretudo acção psicológica. Embora a cadência fosse mais ou menos a mesma, três dias fora seguidos de alguns mais folgados e logo mais cinco, o raio daquela ração de combate sempre nos perseguia, mas de mal o menos, afinamos a viola… Se passávamos por Quirima, trocávamos rações de combate por arroz, massa, salsichas etc, na casa do civil, (loja do tem tudo). Alguém arranjou uma caixa de madeira que entalamos entre o banco do Unimog, os colchões e sacos cama. Arranjou-se uma máquina Hipólito, a petróleo, (fogão) para cozinhar e tudo… Por vezes em troca das malfadadas rações, levávamos algo do depósito de géneros, que nisso o AA, até colaborava e, ao passarmos alguns rios mais caudalosos, arranjávamos alguns peixes que partilhávamos com as populações, detonando umas granadas ofensivas, ou, outras vezes, se alguns cabritos andassem mais mal guardados, algum era logo caçado, transformado em opíparo churrasco e comido.
Assim substituíamos com êxito as malditas rações de combate de que ainda hoje não guardo saudades.
“Das minhas memórias de Angola”.

Fontes

1 comentário:

  1. Tenho saudades ...
    Tenho saudades daqueles cozinhados que o Carvalho fazia, no célebre fogareiro. Engredientes: Carne, salsichas, massa de cotovelos ... e muita fome.
    Cabritos?
    Não sei o que é!...
    Só uma vêz é que ele me deu a volta, quando dei por ela, o cabrito já estava dentro do tacho.

    Um abraço,
    José Ferreira

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