Num belo fim de tarde, no Luquembo, deambulava pelo quimbo em geito de
encontrar um motivo e gente boa para uma conversa.
Por peculiar sortilégio, tinha o pensamento focado na memória de
Alberto Jales, cujo óbito ocorrera cerca de um ano antes (Out71) e via-me, na
passada, a organizar,e trautear trocadilhos baseados em títulos de versos por ele escritos e cantados de forma soberba pela
Amália: “Foi Deus” e “Vou dar de beber à dor”.
E nas voltas que o mundo dá suspendi a injúria e fixei-me na terra que
pisava e na direcção tomada; era o arruamento estreito, tantas vezes percorrido
e que me levava a passar em frente à casa pequena, de adobe cuidado, porta e
janela minúsculas e cobertura zincada, o que a destacava das demais
E perpassam adjectivos, numa sequência de quase delírio … boémia, bizarra,
fadista, … mas que aos poucos se instalam e ajudam a acordar o que recordava da
letra de um outro fado da Amália:
A Júlia Florista boémia e fadista/ … figura bizarra/ … vendia flores, mas
os seus amores jamais os vendeu/ … chinela no pé um ar de ralé, um geito de
andar …
Era um facto, a deambular, vinha em busca do remanso da Júlia.
A Júlia era rapariga de corpo jovem e escorrido, senhora de uma inteligência
prática notável, com resposta rápida, algumas vezes bregeira e que não
embarcava em qualquer inutilidade.
Gostava de conversar com ela, palavras que iam ganhando o sabor da
Nocal e navegavam em nuvens de fumo de cigarros ou de quando em vez do mutopa
partilhado.
Com os meses que levava a comissão e a frequência das deslocações à sanzala,
o sistema olfactivo já estava um pouco embotado.
Mas naquele fim de tarde ao entrar na casa da Júlia, havia algo de
inusitado de que o inconsciente deu conta, mas que tardei a identificar.
Fitava-a e ela ria baixinho, quase envergonhada; só decorridos alguns
segundos, associei que tal decorria do meu duplo “snifar”. A partir daqui foi
fácil descobrir
Eis a estória:
Há cerca de dois meses, o Alf G., de partida para umas férias na
Metrópole, tinha prometido à Júlia que lhe ia trazer de prenda um colar, coisa
que ele sabia ia bem com a vaidade da rapariga.
Vinha já no avião, de regresso, quando se apercebeu que ia estar em
falta ao prometido, e nas circunstâncias emendou para uma compra duty-free, no
caso um frasquinho de perfume
Na hora de chegada justificou-se como pode, e ofereceu o Chanel nº5,
cuja fragância eu, uns dias depois, estava a ter oportunidade de rever; diga-se,
uma fragância resplandecente sobre o corpo chocolate, impoluto de suores, com
que fazia questão de surgir, garbosa, em cada fim de tarde.
Precisavas de sair da água
Precisavas de sair da água
Pura como uma gota erguida
Por uma onda nocturna
Azevedo