2015-06-07

M73 - As cartas do ultimato

Luquembo, 1974
A Casa das Palancas (ver M48) está em grande
Com as limitações inerentes deste micro-cosmo, cumpre a quota parte da animação “cultural” local.
As noites correm e improvisa-se no instante; ontem foi conversa com os mais velhos da sanzala, hoje é noite de farra, bar aberto, amanhã se verá o que chega primeiro; nada que perturbe a capacidade de estabelecer planos de contingência, um dos atributos maiores do militar que se preza
E as tardes? Tenho de reconhecer que tenho vindo a aproveitar mais as oportunidades para me isolar e relaxar a seguir à primeira refeição do dia. Um grupo arbóreo de copa densa, protege a casa nas horas em que os raios solares são mais agressivos. A abertura simultânea das duas janelas, propicia uma serena corrente de ar, que mor das vezes ameniza o ambiente.
O que acima alinhei, estaria na página do diário que imagino perdida, mas que de facto nunca foi escrito.
Tantos anos decorridos a memória continua a ser companheira fiável, e bastante para o que se quer relevar.
Bons e especiais momentos, designadamente os partilhados com as jovens indígenas, generosas nos seus verdes anos, como eram também os nossos; algumas de espírito livre e coração aberto, em conversas de palavras simples invariavelmente plenas de sotaque africano, que podiam também ser de conforto ou ao invés, em conversas temperamentais e devassas
Muitas vezes ocorreu-me um verso de Neruda, se bem que o poeta o tivesse moldado noutro contexto ... "Terra de semente inculta e bravia".
A mais vivaça, com alguma ajuda, conseguia replicar com os dois versos seguintes:
"Terra onde não há esteiros ou caminho
Sob o Sol minha vida se alonga e estremece"
Frequentemente insistia em dizer que não compreendia os versos que pronunciava, mas adivinhava-se-lhe no olhar que gostava de pisar terreno de Eros; com sorriso  insinuante repetia o "minha vida se alonga e estremece"
Idiossincrasias à parte, hoje a questão primeira é outra: prosaica e singular.
Há dias, em mais uma tentativa de introduzir ordem nos meus arquivos mais esconsos, encontrei um documento a que tinha perdido o rasto. Trata-se de uma carta, que considero que testemunha o mérito e a capacidade de conseguir ser diferente, de duas das nossas amigas locais, de presença mais assidua. Por uma questão de princípio os nomes dos distintos alferes a que é (são) dirigida(s) e os das autoras que deram forma aos ultimatos, foram suprimidos.
Releio as cartas, e como tantas vezes ouço de um primo meu que foi nosso companheiros da jornada africana, também sou capaz de confessar: "que saudades".
Leiam também s.f.f.




Azevedo

2 comentários:

  1. Pois, o dia foi longo, as "meninas de boinas verdes" , estavam lindas, a(o)s nossa(o)s "anjos da Guarda" estavam lá.
    Se calhar, esse teu primo, esqueceu-se te dizer que, sem chorar, por vezes deixa escorrer algumas lágrimas, só de pensar na Serra da Canda, nos passos dados a ensopar capim com suor, a tentar encontrar água para beber, a tentar diminuir os efeitos provocados pelo kissonde ou pela flor do Congo. A tentar perceber como lá deixou alguns anos da sua juventude.
    Porta-te bem. Grande abraço, António Luís

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    1. Contra a flor do Congo. Asterol !
      A recordação da flor do congo arrasta ´a ideia de arranhadeira e dai com geito passa-se a um imagem bem mais edilica: a Mimosa Pudica L..
      Grande ABRAÇO

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