2013-09-29

M57 - A sabotar a operação?!...
Tinha recebido o aviso para me dirigir, com carácter de urgência, à que conheciamos como a sala de operações.
Dou por mim a esconjurar demónios, enquanto em passada preguiçosa, atravessava o lanço de parada em que o Sol castigava mais; escasseavam-me ideias relativamente ao que ia.
Tinham-me dito, que de uma das companhias agregadas ao BArt caiam mensagens Z, que reportavam niveis elevados de inoperacionalidades das viaturas, que poderiam, no limite, inviabilizar uma operação, que se desenrolaria a partir do dia seguinte. Dava a informação como fiável, tanto mais que, nessa manhã, tinha tido um contacto via rádio com o pessoal do STM Auto dessa companhia, que tentava obter material (peças de motor e outras), que escasseava por lá.
Chegado, aguardavam-me, o oficial de operações e o segundo comandante do BArt, ambos de ar grave afivelado
Não tardou que começasse a perceber que me encontrava em mais uma cerimoniosa e militar tentativa de sacanear (para não dizer f….) alguém.
Gastas as introduções, foi-me exigido que declarasse, sob compromisso de honra, que cumpriria a missão que me ia ser confiada.
Naquela fase da comissão, já valia tudo, A loucura tinha deixado de ser o oposto à razão ou a sua ausência; como diria Hegel, a loucura de cada um, a considerada dentro do sujeito, possuia uma lógica própria.
A minha era uma mera questão de sobrevivência, tinha de majorar a dos outros.
Mentiria então se negasse que, por instantes, vivi no delirio imagético de me terem destinado uma missão gloriosa, acometido de plenos poderes que permitiriam enfrentar e vencer o duunvirato que, de quando em quando eu dizia gozando, governava aquela aldeia gaulesa (no caso a companhia infractora).
Desci à terra, quando por entre as nuvens ouvi “juras por tua honra?”
Só?!
Respondi: “…juro”
Ainda estava arrepiado com o eco da pronuncia, quando entra o sargento L. e em palavras mais breves que as que comigo tinham sido gastas, lhe é exigida a mesma promissão.
Em segundos, recapitulei os capitulos do filme em que estava: surpreso, louco, ajuramentado e … esclarecido
Tinha-me sido ordenada uma avaliação da operacionalidade das viaturas de uma unidade; embora não a tivessem invocado, era por demais evidente, que pairava a suspeita de que alguém estaria a sabotar o esforço de guerra, e eu era o miliciano escalado para o denunciar, queriam-me no papel do grande buffoon ... e cereja no topo do pastel, tinha sido nomeado o policia de serviço que, como convinha era sargento de carreira
Contrariando o que era boa norma, a coluna em que nos deslocamos, saiu cerca da meia noite.
À chegada ao local do crime - madrugada já avançada - aguardava-nos o Alf S, a quem de imediato, pedi que combinasse uma reunião urgente e sigilosa com o Capitão L.. Em menos e 10 minutos, estavamos a falar do que interessava; reportei o filme das últimas horas, passadas na CCS, qual era a minha perspectiva do que estava a acontecer e ao que estava obrigado
“Grandes f.da p…!”- exclamou o capitão.
Para conter o extase, acrescentei que considerava de grande responsabilidade a missão, mas que estava demasiado cansado, que não esgotado, para iniciar vistoria dos carros, pelo que seria preferivel repousar cerca de uma hora ou mais, para depois,  recuperado, levar a tarefa toda de seguida.
De facto, o Cap L. também já me tinha confirmado que, de acordo com o último ponto da situação que lhe tinham feito, não existia impedimento a que a início da operação oorresse na data-hora prevista.
Uma vez que o primeiro quesito do ordenante timha perdido significado, fomos falar com o Sargento L. que confirmou que também preferia deixar o resto das questões para depois de um curto periodo de descanso…
Certo é que a breve trecho cada um recolheu a aposentos.
Na parte que me toca, só acordei quando começaram a roncar os motores das viaturas da coluna em ordem de saida.para a operação. Vestido que estava, levantei-me de um lanço e dirigi-me ao exterior. O Cap L. afinal não se tinha deitado, teimando em assistir aos últimos preparativos da coluna, e agora, na partida desejava boa jornada a todos.
Ficamos à conversa; a breve trecho chegaram também os Alf L. e S, e a conversa, para variar, resvalou para os dislates do costume.
Não tinha ainda decorrido uma hora, quando chegou a primeira mensagem com informação de um alto da coluna, devido à viatura na frente da coluna ter accionado uma mina
Não havia feridos, mas era necessário recolher a Berliet.
Trabalho não ia faltar e ocorreu-me que era a oportunidade de ouro para verificar a operacionalidade do triângulo de reboque que tinhamos em fase de acabamento na oficina da CCS. Já tinham sido realizados alguns testes, mas aqui, no duro do terreno, seria diferente.
Enviou-se uma msg para o comando do batalhão, com o ponto de situação no local, e o pedido de acordo para: a) suspender a peritagem, b) avançar para zona da deflagração da mina e c) iniciar a preparação do reboque da viatura, para o que nos deveria ser enviado o triângulo de reboque que estava na oficina da CCS
Recebida a luz verde, arrancamos de imediato
Já tinha visto viaturas minadas, mas agora, pela primeira vez e no local era bem diferente: a frente da Berliet do lado esquerdo, pousada no chão, desfeita, ferro cortado e retorcidos, dando uma sugestão da imensidão e caminho da onda de explosão; ali um resto de pneu suspenso de uma jante partida, caida apenas a meia dúzia de metros, só porque o voo tinha sido interrompido pelo tronco de uma árvore, onde era visivel o ponto de impacto, a cerca de 4 metros do solo. Ainda sob a caixa da viatura, alinhado com um dos rodados, era visivel um buraco na picada, com menos de um metro de profundidade, o que permitia concluir tratar-se de uma mina A/C singela, isto é, que não tinha sido reforçada com outros explosivos.
Confirmei com o graduado do grupo que garantia a protecção à viatura, que já tinha sido verificada a não existência de sinais de minas A/P nas proximidades; fiquei agradado, mas mesmo assim comprometi-me a ser contido nas passadas.
Restava aguardar e aproveitar para fazer o desvaste de árvores e arbustos, tendo em vista facilitar a manobra da Berliet que iria fazer o reboque, bem como a manobra de inversão de marcha… e continuar a aguardar
Felizmente que a Berliet da CCS, já vinha com o triângulo de reboque instalado e com os cabos passados, o que abreviou o inicio do levantamento
Estivemos à beira do insucesso quando ao começar a erguer a Berliet sinistrada, os tubos que convergem na roldana superior, começaram desalinhar, evidenciando sub-dimensionamento das estruturas de reforço que tinham sido aplicadas. A salvação, o plano "b" estava no triângulo interior, que evidenciava estar bem ancorado (soldado) e estabilizado; cortou-se  um tronco de árvore, com diâmetro máximo admissível e comprimento suficiente para passar no interior deste triângulo e apoiar na caixa da Berliet, impedindo assim que a deformaçao dos tubos laterais progredisse.
Como pai desta solução de recurso e por via das dúvidas, assumi a condução desta Berliet-reboque e só viajaram na caixa os que também quiseram assumir riscos extra.
Duas horas depois a Berliet sinistrada estava a ser depositada no P.A.D. de Gago Coutinho.
Dias depois de regressados à CCS, os tubos deformados foram substituidos e reforçados em toda extensão com cantoneira de aço de abas iguais 5/16 x 3” (ver em M30 – Vamos buscá-las, deste blog).
Azevedo


1 comentário:

  1. Mais uma "história" com uma narração brilhante!!! Os meus parabéns, também para a "memória prodigiosa".
    Feio

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