M19 - O longo braço da PIDE
Conheci o
Luis na FCL, era ele na altura finalista do curso de matematica. Para além das
qualidades primordiais num espirito matemático, imaginação e força lógica tive a
oportunidade confirmar nele um excecional poder de abstração e a capacidade invulgar para entrar em profundas meditações; mas nos
intervalos o Luis era sempre o amigo que ajuda amigo, numa disponibilidade e
afabilidade impares.
Um dia, em que
como dizia, circulava na Duque de Loulé, em Lisboa, parou para ver passar uma
manifestação de universitários, em correria, à frente de uma carga da Policia de
Choque. Em circunstancias similares, parar era meio caminho para ser detido e
de facto, ele acabou em Caxias, depois de uma curta passagem pelo Governo Civil
Quem o conheceu, não pode deixar de sorrir, ao imaginar o que seria comportamento do Luis durante um interrogatório policial … e a reação dos esbirros.
O espirito
mesquinho impos-se e o Luis, então já licenciado em ciências matemáticas, viu-se num
ápice incorporado no exército, como soldado básico e com guia de marcha para
Angola
Foi assim que,
uma tarde no Luquembo, caio de espanto quando o vejo derreado pelo peso da mala, a percorrer a avenida principal.
Um abraço e
paramos no café para uma bebida. Peço a um camarada que regressa a quartel que
avise na oficina, para me virem buscar numa viatura ligeira. Seguimos e depois da
apresentação e de instalado, vamos conforme combinado jantar ao civil; com mais
camaradas, que decidem tomar a refeição
fora do quartel, somos cinco.
É um convivo
alegre e bem disposto, que se prolonga pela noite dentro.
No dia
seguinte, como quem não quer a coisa o Cmdt pede-me a confirmação do jantar de
véspera e começa um discurso divagante,“recomendando” que não insita em
«convivios” particularmente com o Luis, que de facto está de passagem; e que não menos
importante, estava sob a alçada da PIDE.
Nessa tarde
apanhou um boleia do civil, com destino a Malange.
Calha no dia
seguinte um grupo da ação psico social, a actuar num aldeamento próximo, comunicar que existe forte suspeita de estar
perante um possivel surto de paralisia infantil (PI).
Já passava
das 17 horas, estavamos naquela impasse de nada para fazer até à hora do jantar
e vai dai, sai a ambulância, Unimog 404; conduz o Sampaio (mecânico auto), ao
lado o médico Dr Peixoto e contando com este escriva estão ainda mais 3
alferes.
Chegados, o
médico confirma a suspeita de PI e estabelece um plano de contingência e no final ainda dá ainda uma consulta a uma
jovem parturiente em inicio do trabalho de parto, mas com prolapso de braço, pelo que
recomenda a evacuação para o hospital de Malange
A ambulância
segue então na hora, para Malange; a jovem deitada atrás na maca e no banco da frente, eu o Amaral e o Sampaio
Depois de uma
viagem mais ou menos acidentada, o que incluiu uma travessia noturna de uma linha
de água, em jangada, chegamos ao hospital; entregamos a parturiente e fomos em
busca de alojamento, quando já faltava um par de horas para nascer o sol.
Cerca das 11
horas, estavamos prontos para regressar, mas claro depois de um almoço reconfortante.
A caminho do restaurante descubro o Luis ... a circular e vamos todos para o rancho.
Almoço rápido,mas
selectivo; no final despedidas breves,
mas mais uma vez sentidas.
O regresso
por estradões já conhecidos e em razoável estado de conservação, permitiu-nos chegar ao Luquembo,
ainda dentro do horário de expediente, para justificar deslocações, os atrasos e assim.
No dia
seguinte, surpresa: ainda não eram
9h00m, já estavamos convocados para o gabinete do CMDt, que queria que lhe
confirmassemos que, contrariando ordens expressas, tinhamos almoçado com o Luis,
e ainda o nome dos oficiais que estavam à mesa (era o relatório pidesco na hora)
Lá tivemos
que efabular que o Luis já se encontrava no restaurante e que, na pressa, não dava para ir para outro, para além de que não tinhamos a certeza se a mesa do repasto era comum ou eram duas muito próximas.
Mais disse logo de rajada o
Amaral: “.. e o bufo que lhe disse do restaurante que lhe diga o nome dos oficiais”
Grande Amaral! pensei no meio do silêncio sepulcral que se seguiu; vi a coisa muito mal parada. Naquela
fase da comissão o Amaral, manhã muito cedo, já estava com carga para dizer coisas muito mais profundas. Inteligentemente, o Cmdt
deixou a conversa por ali. E ninguém lhe levou a mal, ou no seguimento passou a ter por ele menos consideração. Pelo contrário.
Mas mais
importante que refletir sobre o relacionamento hierárquico, é que esta colecção de pormenores, esta estória, demonstra quão extenso era o braço de PIDE.
E, se em
Angola pouco dela vimos, na prática ela estava lá, e vigiava, controlava e
torturava como cá. Tinha o cobertura da autoridade
militar, porque a vertente dita de recolha de informações que era assegurada lhe interessava; o ou os métodos nunca vi questionados de forma explicita.
Tentarei,
proximamente reportar outras situações destas natureza.
azevedo
Lembro-me perfeitamente desta personagem.
ResponderEliminarFez-me alguma confusão na altura um indivíduo ser Licenciado em Matemática ... e ser ao mesmo tempo um soldado básico.
Nunca houve diálogo ente nós, o que tenho pena.
jose ferreira