2012-05-26

M19 - O longo braço da PIDE 
Conheci o Luis na FCL, era ele na altura finalista do curso de matematica. Para além das qualidades primordiais num espirito matemático, imaginação e força lógica tive a oportunidade confirmar nele um excecional  poder de abstração e a capacidade invulgar  para entrar em profundas meditações; mas nos intervalos o Luis era sempre o amigo que ajuda amigo, numa disponibilidade e afabilidade impares.
Um dia, em que como dizia, circulava na Duque de Loulé, em Lisboa, parou para ver passar uma manifestação de universitários, em correria, à frente de uma carga da Policia de Choque. Em circunstancias similares, parar era meio caminho para ser detido e de facto, ele acabou em Caxias, depois de uma curta passagem pelo Governo Civil
Quem o conheceu, não pode deixar de sorrir, ao imaginar o que seria  comportamento do  Luis durante um interrogatório policial …  e a reação dos esbirros.
O espirito mesquinho impos-se e o Luis, então já licenciado em ciências matemáticas, viu-se num ápice incorporado no exército, como soldado básico e com guia de marcha para Angola
Foi assim que, uma tarde no Luquembo, caio de espanto quando o vejo derreado pelo peso da mala, a percorrer a avenida principal.
Um abraço e paramos no café para uma bebida. Peço a um camarada que regressa a quartel que avise na oficina, para me virem buscar numa viatura ligeira. Seguimos e depois da apresentação e de instalado, vamos conforme combinado jantar ao civil; com mais camaradas,  que decidem tomar a refeição fora do quartel, somos cinco.
É um convivo alegre e bem disposto, que se prolonga pela noite dentro.
No dia seguinte, como quem não quer a coisa o Cmdt pede-me a confirmação do jantar de véspera e começa um discurso divagante,“recomendando” que não insita em «convivios” particularmente com o Luis,  que de facto está de passagem; e que não menos importante, estava sob a alçada da PIDE.
Nessa tarde apanhou um boleia do civil, com destino a  Malange.
Calha no dia seguinte um grupo da ação psico social, a actuar num aldeamento próximo,  comunicar que existe forte suspeita de estar perante um possivel surto de paralisia infantil (PI).
Já passava das 17 horas, estavamos naquela impasse de nada para fazer até à  hora do jantar e vai dai, sai a ambulância, Unimog 404; conduz o Sampaio (mecânico auto), ao lado o médico Dr Peixoto e contando com este escriva estão ainda mais 3 alferes.
Chegados, o médico confirma a suspeita de PI e  estabelece um plano de contingência  e no final ainda dá ainda uma consulta a uma jovem parturiente em inicio do trabalho de parto, mas com prolapso de braço, pelo que recomenda a evacuação para o hospital de Malange
A ambulância segue então na hora, para Malange; a jovem deitada atrás na maca e no banco da frente,  eu o Amaral e o Sampaio
Depois de uma viagem mais ou menos acidentada, o que incluiu uma travessia noturna de uma linha de água, em jangada, chegamos ao hospital; entregamos a parturiente e fomos em busca de alojamento, quando já faltava um par de horas para nascer o sol.
Cerca das 11 horas, estavamos prontos para regressar, mas claro depois de um almoço reconfortante. A caminho do restaurante descubro o Luis ... a circular e  vamos todos para o rancho.
Almoço rápido,mas selectivo; no final despedidas  breves, mas mais uma vez sentidas.
O regresso por estradões já conhecidos e em razoável estado de conservação, permitiu-nos chegar ao Luquembo, ainda dentro do horário de expediente, para justificar deslocações, os  atrasos e assim.
No dia seguinte, surpresa:  ainda não eram 9h00m, já estavamos convocados para o gabinete do CMDt, que queria que lhe confirmassemos que, contrariando ordens expressas, tinhamos almoçado com o Luis, e ainda o nome dos oficiais que estavam à mesa (era o relatório pidesco na hora)
Lá tivemos que efabular que o Luis já se encontrava no restaurante e que, na pressa, não dava para  ir para outro, para  além de que não tinhamos a certeza se a mesa do repasto era comum ou eram duas muito próximas.
Mais disse logo de rajada o Amaral: “.. e o bufo que lhe disse do restaurante que lhe diga o nome dos oficiais”
Grande Amaral! pensei no meio do silêncio sepulcral que se seguiu; vi a coisa muito mal parada. Naquela fase da comissão o Amaral, manhã muito cedo, já estava com carga para dizer coisas  muito mais profundas. Inteligentemente, o Cmdt deixou a conversa por ali. E ninguém lhe levou a mal, ou no seguimento passou a ter por ele menos consideração. Pelo contrário.
Mas mais importante que refletir sobre o relacionamento hierárquico, é que esta colecção de pormenores, esta estória, demonstra quão extenso era o braço de PIDE.
E, se em Angola pouco dela vimos, na prática ela estava lá, e vigiava, controlava e torturava como cá. Tinha o cobertura da  autoridade militar, porque a vertente dita de recolha de informações que era assegurada lhe  interessava; o ou os métodos nunca vi questionados de forma explicita.
Tentarei, proximamente reportar outras situações destas natureza.

azevedo


1 comentário:

  1. Lembro-me perfeitamente desta personagem.
    Fez-me alguma confusão na altura um indivíduo ser Licenciado em Matemática ... e ser ao mesmo tempo um soldado básico.

    Nunca houve diálogo ente nós, o que tenho pena.

    jose ferreira

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